quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Executivos vestem a camisa da companhia


Por Letícia Arcoverde | De São Paulo

Pouco apreciadas na maioria dos ambientes corporativos, as Havaianas ganham os pés dos colaboradores em pelo menos um escritório na cidade de São Paulo. Na divisão de sandálias da Alpargatas, grupo proprietário da marca, profissionais de todos os níveis costumam deixar sapatos fechados e saltos de lado para combinar os famosos chinelos com o vestuário do dia a dia.

Quando a executiva Carla Schmitzberger entrou na companhia para atuar como diretora de sandálias há seis anos, a empresa já possuía a cultura que permitia aos funcionários usar o carro-chefe da divisão no espaço de trabalho. "Foi muito fácil adotar a peça", diz. "Havaiana é uma coisa que todo mundo quer botar no pé". Todos os dias, mesmo quando recebe visitantes - e às vezes quando faz reuniões fora do prédio - Carla calça um dos 35 pares de sandálias da marca que possui, sempre combinando com a roupa. O costume é amplamente difundido entre todos os funcionários e se estende às outras marcas do grupo Alpargatas.

Muitas outras grandes empresas possuem iniciativas semelhantes. Apesar de não existir uma política formal, é comum que companhias desenvolvam uma cultura em que o uso do produto seja incentivado internamente. Mais do que um hábito, "vestir a camisa" da organização em que se trabalha pode ser uma boa estratégia de marketing e é um termômetro de satisfação dos colaboradores.

Mas todos concordam que não pode haver cobrança ou obrigação- é preciso que a escolha seja pessoal. "Tem que usar o produto com prazer", diz Carla, que costuma dirigir até o trabalho com sapato fechado e calçar a sandália assim que chega à sede. "Se forçar a barra, as pessoas percebem."

As regras de vestuário casual, adotadas pela companhia, facilitam combinar os chinelos com vestidos, saias e calça jeans, e Carla diz que a maioria dos colaboradores opta por trabalhar com as sandálias. No entanto, a executiva faz questão de usá-las mesmo quando tem reuniões que exigem roupa formal e conta que já fez até apresentação para o conselho usando os chinelos, na fábrica da marca em Campina Grande (PB). "A reação das pessoas de fora geralmente é de surpresa, mas muitos dizem ter inveja de não poderem fazer o mesmo", garante. Além de ser uma forma de propaganda positiva, o uso do produto entre os funcionários contribui para manter o clima do escritório mais descontraído. "Isso torna as pessoas mais acessíveis", ressalta Carla.

O professor de gestão de marcas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Marcos Henrique Bedendo afirma que é comum as empresas trabalharem de forma ativa para que os funcionários escolham e usem seus produtos. Além de oferecer descontos para colaboradores- prática adotada pela Havaianas -, muitas organizações antecipam novidades e fazem o máximo para "municiar" os funcionários com informações sobre suas marcas. "Tudo isso faz muita diferença", diz Bedendo.

De acordo com o professor, uma vez que os principais influenciadores de compra são os próprios consumidores, por meio do boca a boca, os funcionários assumem papel-chave na estratégia de marketing. "Quando as pessoas de uma empresa consomem o que fabricam, quer dizer que alguém que conhece o assunto de perto está fazendo aquela escolha", explica. Nesse aspecto, quanto mais influente o profissional, maior o impacto que essa atitude pode ter tanto dentro como fora da companhia - ainda que isso não siga necessariamente a hierarquia da empresa. "É importante que os executivos deem o exemplo, mas um líder sindical, por exemplo, pode ser um formador de opinião ainda mais eficiente", diz.

A presidente da Dudalina, Sônia Hess, faz questão de vestir a camisa- literalmente- e promover a marca fundada pela mãe há mais de 50 anos entre os 1,7 mil funcionários. A empresa oferece uma cota aos colaboradores para comprar produtos da marca, que aumenta em períodos de festas como Natal ou Dia dos Namorados, quando a empresa promove "lojinhas" em todas as fábricas com descontos especiais. "Vestir a camisa é uma forma de carinho", diz a empresária. Ela conta que já viu executivo trocar o guarda-roupa inteiro ao entrar na companhia e estagiária comprar mais de 50 camisas sociais, hoje famosas internacionalmente. Para Sônia, a escolha dos funcionários também ajuda na estratégia, mas o principal benefício de tantos adotarem os produtos no dia a dia é a paixão pela empresa. "Quando o funcionário usa aquilo que produz, ele trabalha com mais amor", explica. A própria presidente costuma acompanhar o departamento comercial e vestir modelos novos para fazer teste de uso e aprovar novas estampas e tecidos.

Daniel Mendes trabalhou por cinco anos em uma distribuidora de bebidas e hoje é gerente de tesouraria de uma fabricante de latinhas que possui o antigo empregador entre os clientes. Por convicção, Mendes não compra outras marcas e dá preferência ao alumínio sempre que pode. "Não vejo sentido em trabalhar em uma empresa que fornece bens de consumo e comprar na concorrência", explica.

Apesar de dizer que não precisou mudar de forma significativa seus hábitos para comprar apenas produtos da fornecedora de refrigerantes e cervejas, Mendes diz que estaria disposto a fazê-lo e que já chegou a deixar de consumir em lugares que não vendiam as marcas da empresa.

Desde que passou a atuar na fornecedora de latas, faz questão de só comprar produtos de alumínio. "Se tiver a opção, troco de marca para levar a latinha", diz.

Influenciado tanto pela questão conceitual quanto pela ambiental, que conhece mais a fundo agora que trabalha na área, ele diz que nunca sofreu pressão de nenhuma das empresas para consumir os próprios produtos, mas que o costume faz parte da cultura da companhia. "É como um gerente de um banco ter conta em outro", diz. "A empresa possui metas de vendas. Se eu comprar em outro lugar, estarei dando volume para os concorrentes", ressalta.

Para a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, Leyla Nascimento, o costume de estimular funcionários a consumir apenas produtos da empresa já foi mais difundido entre as companhias brasileiras. "De alguns anos para cá, as organizações perceberam que o mercado está mais aberto", diz. Segundo Leyla, regulações formais sobre a prática não teriam respaldo em lei e, desse modo, o máximo que uma organização pode fazer é desenvolver uma cultura de incentivo. "Para ser validada, a escolha precisa ser pessoal", diz. "Se a empresa forçar, pode ser prejudicial para a marca e para reter o colaborador", diz.

Fonte: Valor Econômico

Matéria divulgada pela FENACON em 23-02-2012

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