Por Letícia Arcoverde | De São Paulo
Pouco apreciadas na maioria dos
ambientes corporativos, as Havaianas ganham os pés dos colaboradores em pelo
menos um escritório na cidade de São Paulo. Na divisão de sandálias da
Alpargatas, grupo proprietário da marca, profissionais de todos os níveis costumam
deixar sapatos fechados e saltos de lado para combinar os famosos chinelos
com o vestuário do dia a dia.
Quando a executiva Carla
Schmitzberger entrou na companhia para atuar como diretora de sandálias há
seis anos, a empresa já possuía a cultura que permitia aos funcionários usar
o carro-chefe da divisão no espaço de trabalho. "Foi muito fácil adotar
a peça", diz. "Havaiana é uma coisa que todo mundo quer botar no
pé". Todos os dias, mesmo quando recebe visitantes - e às vezes quando
faz reuniões fora do prédio - Carla calça um dos 35 pares de sandálias da
marca que possui, sempre combinando com a roupa. O costume é amplamente
difundido entre todos os funcionários e se estende às outras marcas do grupo
Alpargatas.
Muitas outras grandes empresas possuem
iniciativas semelhantes. Apesar de não existir uma política formal, é comum
que companhias desenvolvam uma cultura em que o uso do produto seja
incentivado internamente. Mais do que um hábito, "vestir a camisa"
da organização em que se trabalha pode ser uma boa estratégia de marketing e
é um termômetro de satisfação dos colaboradores.
Mas todos concordam que não pode
haver cobrança ou obrigação- é preciso que a escolha seja pessoal. "Tem
que usar o produto com prazer", diz Carla, que costuma dirigir até o
trabalho com sapato fechado e calçar a sandália assim que chega à sede.
"Se forçar a barra, as pessoas percebem."
As regras de vestuário casual,
adotadas pela companhia, facilitam combinar os chinelos com vestidos, saias e
calça jeans, e Carla diz que a maioria dos colaboradores opta por trabalhar
com as sandálias. No entanto, a executiva faz questão de usá-las mesmo quando
tem reuniões que exigem roupa formal e conta que já fez até apresentação para
o conselho usando os chinelos, na fábrica da marca em Campina Grande (PB).
"A reação das pessoas de fora geralmente é de surpresa, mas muitos dizem
ter inveja de não poderem fazer o mesmo", garante. Além de ser uma forma
de propaganda positiva, o uso do produto entre os funcionários contribui para
manter o clima do escritório mais descontraído. "Isso torna as pessoas
mais acessíveis", ressalta Carla.
O professor de gestão de marcas da
Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Marcos Henrique Bedendo
afirma que é comum as empresas trabalharem de forma ativa para que os
funcionários escolham e usem seus produtos. Além de oferecer descontos para
colaboradores- prática adotada pela Havaianas -, muitas organizações
antecipam novidades e fazem o máximo para "municiar" os
funcionários com informações sobre suas marcas. "Tudo isso faz muita
diferença", diz Bedendo.
De acordo com o professor, uma vez
que os principais influenciadores de compra são os próprios consumidores, por
meio do boca a boca, os funcionários assumem papel-chave na estratégia de
marketing. "Quando as pessoas de uma empresa consomem o que fabricam,
quer dizer que alguém que conhece o assunto de perto está fazendo aquela
escolha", explica. Nesse aspecto, quanto mais influente o profissional,
maior o impacto que essa atitude pode ter tanto dentro como fora da companhia
- ainda que isso não siga necessariamente a hierarquia da empresa. "É
importante que os executivos deem o exemplo, mas um líder sindical, por
exemplo, pode ser um formador de opinião ainda mais eficiente", diz.
A presidente da Dudalina, Sônia Hess,
faz questão de vestir a camisa- literalmente- e promover a marca fundada pela
mãe há mais de 50 anos entre os 1,7 mil funcionários. A empresa oferece uma
cota aos colaboradores para comprar produtos da marca, que aumenta em
períodos de festas como Natal ou Dia dos Namorados, quando a empresa promove
"lojinhas" em todas as fábricas com descontos especiais.
"Vestir a camisa é uma forma de carinho", diz a empresária. Ela
conta que já viu executivo trocar o guarda-roupa inteiro ao entrar na companhia
e estagiária comprar mais de 50 camisas sociais, hoje famosas
internacionalmente. Para Sônia, a escolha dos funcionários também ajuda na
estratégia, mas o principal benefício de tantos adotarem os produtos no dia a
dia é a paixão pela empresa. "Quando o funcionário usa aquilo que
produz, ele trabalha com mais amor", explica. A própria presidente
costuma acompanhar o departamento comercial e vestir modelos novos para fazer
teste de uso e aprovar novas estampas e tecidos.
Daniel Mendes trabalhou por cinco
anos em uma distribuidora de bebidas e hoje é gerente de tesouraria de uma
fabricante de latinhas que possui o antigo empregador entre os clientes. Por
convicção, Mendes não compra outras marcas e dá preferência ao alumínio
sempre que pode. "Não vejo sentido em trabalhar em uma empresa que
fornece bens de consumo e comprar na concorrência", explica.
Apesar de dizer que não precisou
mudar de forma significativa seus hábitos para comprar apenas produtos da
fornecedora de refrigerantes e cervejas, Mendes diz que estaria disposto a
fazê-lo e que já chegou a deixar de consumir em lugares que não vendiam as
marcas da empresa.
Desde que passou a atuar na
fornecedora de latas, faz questão de só comprar produtos de alumínio.
"Se tiver a opção, troco de marca para levar a latinha", diz.
Influenciado tanto pela questão
conceitual quanto pela ambiental, que conhece mais a fundo agora que trabalha
na área, ele diz que nunca sofreu pressão de nenhuma das empresas para
consumir os próprios produtos, mas que o costume faz parte da cultura da
companhia. "É como um gerente de um banco ter conta em outro", diz.
"A empresa possui metas de vendas. Se eu comprar em outro lugar, estarei
dando volume para os concorrentes", ressalta.
Para a presidente da Associação
Brasileira de Recursos Humanos, Leyla Nascimento, o costume de estimular
funcionários a consumir apenas produtos da empresa já foi mais difundido
entre as companhias brasileiras. "De alguns anos para cá, as
organizações perceberam que o mercado está mais aberto", diz. Segundo
Leyla, regulações formais sobre a prática não teriam respaldo em lei e, desse
modo, o máximo que uma organização pode fazer é desenvolver uma cultura de
incentivo. "Para ser validada, a escolha precisa ser pessoal", diz.
"Se a empresa forçar, pode ser prejudicial para a marca e para reter o
colaborador", diz.
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Fonte: Valor Econômico
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Matéria divulgada pela FENACON em 23-02-2012
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