segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Adolescência: Os pais atrapalham

O segredo para criar jovens saudáveis, educados e estudiosos é deixar que eles cresçam em paz

Há oito anos, o casal de pesquisadores Mario e Alice passou por um dos períodos mais delicados de suas vidas – na definição deles mesmos. Por dois anos, conviveram com três adolescentes dentro de casa. Marco, o mais velho, tinha 17 anos, e Marcelo, o do meio, 14, quando a caçula, Gabriela, mostrou os primeiros sintomas de sua entrada na adolescência, aos 12. “Já tínhamos o faro treinado. Foi fácil perceber que a Gabi estava diferente, pelo jeito de ela olhar e falar com a gente”, diz Mario. “Pensei na hora: acabou. O único filho que ainda gostava do nosso ninho partiu para outro grupo. Agora, somos nós aqui, e eles lá”, diz Alice. Lá, onde?  “Onde tudo o que a gente faz ou fala está errado, inadequado e ultrapassado. Lá, naquela fase em que até nossa aptidão como seres humanos é contestada”, diz Mario. A afirmação provoca risos nos dois filhos, ao ouvir o depoimento dos pais. Marco agora tem 25 anos, e Marcelo, 22. Para garantir que pais e filhos pudessem falar abertamente de suas experiências, sem censura ou constrangimento, os nomes de pais e adolescentes que aparecem nesta reportagem foram trocados. Ainda assim, Gabriela, hoje com 20 anos, não quis participar. “É importante para ela proteger sua individualidade. É uma fase”, diz Alice. 

Ao ouvir Mario e Alice discorrer sobre seus filhos, me preparo para o relato das roubadas em que os jovens bonitos sentados à minha frente se meteram para gerar tanto transtorno na vida de seus pais. “Ah, foram terríveis. Chegaram a ser insuportáveis. Houve momentos em que senti medo da reação deles…”, diz Alice. Diante do desfile de adjetivos e ausência de fatos concretos, pergunto objetivamente: eram maus alunos? “Não, isso não. Nenhum dos três deu trabalho na escola”, diz Mario. Bebiam muito? “Olha, houve aquela vez em que o Marcelo chegou meio carregado e passou o final de semana na cama. Mas acho que foi isso”, afirma Alice. E quanto a drogas? “Acho que experimentaram. Nunca nos contaram. Falamos abertamente sobre os riscos. Não me preocupei muito com isso”, diz Mario. “Me preocupava. Mas nenhum problema chegou até nós”, diz Alice. Foram agressivos, do tipo que batiam em colegas? “Não, claro que não”, dizem. Foram agressivos com vocês? Por que tinham medo da reação deles? “Foram ríspidos”, diz Alice – e imediatamente os filhos protestam.

“Mamãe, você repetia o mesmo conselho 20 vezes! Parecia que tínhamos 5 anos”, diz Marco. Insisto com os pais. Que fatos fizeram aquele período ser tão terrível? “Nos tornamos invisíveis”, diz Mario. “Pior que isso. Tudo o que dizíamos parecia sem importância. Às vezes, quando estava mais sensível, deixava de falar alguma coisa com medo de tirarem sarro e eu acabar chorando ou brigando com eles”, diz Alice. Marcelo tem outro ponto de vista: “Não éramos mais crianças, mas eles nos tratavam como se fôssemos”.

Marco, Marcelo e Gabriela deram a seus pais o tipo de preocupação que jovens que começam a namorar, sair à noite e ter interesses próprios dão. Fizeram os pais buscá-los no meio da madrugada. Apareciam com amigos para dormir em casa sem avisar, como se privacidade fosse algo que cinquentões não precisam mais ter. Aprontavam pequenas trapaças estudantis, como esconder que estavam mal em trigonometria até que fosse quase tarde demais para encontrar um professor particular. Fora isso, os três foram o que se pode chamar de bons filhos. São inteligentes e capazes de estabelecer laços de amizade e relações de afeto saudáveis com quem convivem, e também com seus pais. Foram bem na escola e entraram em boas faculdades. Dois deles estão na PUC – a Pontifícia Universidade Católica, de São Paulo. O mais velho estudou na Universidade Federal do ABC, na cidade de Santo André, onde Alice trabalhava.

Quando se pergunta a eles sobre a própria adolescência, não contam nada de extraordinário. “Eu não tinha dinheiro para nada, mas era até divertido”, diz Marco. “Eu ainda não tenho”, afirma Marcelo, e ri. Nada no depoimento deles lembra o drama emocional vivido pelos pais no mesmo período. É como se eles e seus pais tivessem vivido em planetas diferentes, não na mesma casa de classe média da Zona Sul de São Paulo.


A experiência da família de Mario e Alice não é rara. Um novo livro lançado no início do ano nos Estados Unidos, All joy & No fun (ele será lançado no Brasil em abril de 2015, pelo selo Bicicleta Amarela, da Rocco, com o título provisório Muita alegria, pouca diversão), defende uma tese simples e provocativa: a adolescência gera mais sofrimento nos pais que nos jovens que passam por ela. Escrito pela jornalista americana Jennifer Senior, o livro se baseia em estudos e em sua experiência de 20 anos escrevendo sobre família para a revista New York. “Noto há muito tempo dois fenômenos. O primeiro é o tipo de reclamação que ouço de pais de adolescentes”, diz Jennifer. “O segundo é o fato de os filhos desses pais serem pessoas absolutamente normais, e do bem.”



Por Flávia Yuri Oshima
Fonte: Época

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