De olho. Checagem digital se
torna nova ‘fase’ de avaliação de desempenho, seja para quem busca uma nova
oportunidade ou para quem quer se manter em seu cargo; para especialistas em
direito digital, prática pode invadir limites da privacidade de empregado
O analista de sistemas Diego Silva, 28
anos, não é um grande fã de porcos: por conta de uma piada sobre os animais,
ele foi demitido em 2014, quando trabalhava na empresa de serviços de
tecnologia da informação Processor. Na época, a companhia tinha como um de seus
clientes uma empresa que realizava sorteios de prêmios. Enquanto na região
Sudeste eles incluíam eletrônicos, na região Norte, a empresa oferecia porcos.
Depois de fazer uma brincadeira no Facebook sobre a situação e ser flagrado
pelo chefe, Diego acabou na rua. Ele não é o único: nos últimos anos, as
empresas têm dado mais atenção ao que seus empregados fazem nas redes sociais.
Para novos funcionários, a checagem digital se tornou mais uma fase a ser
superada na busca por um emprego.
A princípio, trata-se de uma questão
simples. Afinal, boa parte das informações – como fotos, vídeos ou comentários
pessoais – que são publicadas nas redes sociais são públicas e, portanto, podem
ser encontradas por qualquer um.
“Além das referências profissionais, a busca
em redes sociais tem como meta conhecer melhor o candidato ou empregado e saber
se a sua visão de mundo se encaixa nos requisitos da função que ele vai
desempenhar e na cultura da empresa”, diz Glaucy Bocci, diretora de gestão de
talentos da consultoria Willis Towers Watson. Para ela, a checagem digital é
uma ferramenta apenas para conhecer, não para eliminar o candidato. “Uma boa
organização não eliminaria ou contrataria alguém pela foto bonita ou feia no
LinkedIn ou por uma postagem qualquer no Facebook”, avalia Glaucy.
Há quem acredite que a identidade do
candidato nas redes “é tão importante quanto ter bom currículo ou experiência”.
Segundo a especialista em carreiras Maria Cândida Azevedo, da People &
Results, a diferença é que “a checagem digital não acrescenta nada, mas pode
ter influência negativa”.
“Ao fazer seleções para empresas de
perfil mais conservador, vários candidatos com perfil despojado, fotos em que
aparecem em festas e com bebidas, foram eliminados”, diz Jorge Martins, gerente
de divisão da empresa de recrutamento Robert Half.
Segundo os recrutadores consultados
pelo Estado, posicionamentos polêmicos, declarações preconceituosas ou sexistas
nas redes sociais atrapalham o desempenho no processo de seleção. “Ter uma
postura preconceituosa no passado pode se refletir em um aprendizado, que deve
ser demonstrado”, diz Maria Cândida, da People & Results.
Depois da dispensa, Silva aprendeu a
lição e agora toma mais cuidado com suas redes sociais. “Não me arrependo de
ter feito aquela publicação, mas sim de ter adicionado colegas como amigos no
Facebook”, diz o analista de sistemas. Procurada pelo Estado, a Processor
declarou desconhecer o caso de Silva. “Qualquer situação dessa natureza seria
tratada de acordo com nossas regras de conduta”, disse a empresa.
A checagem digital ganha mais peso de
acordo com o cargo almejado. Segundo os recrutadores, a pesquisa sobre o perfil
de uma pessoa nas redes sociais se torna mais profunda quando o cargo é mais
alto. “É uma questão de exposição: descobrir que um candidato a empacotador
teve uma conduta politicamente incorreta na internet não é tão grave quanto um
diretor que cometeu ofensas sexuais”, avalia Maria Cândida.
Varredura. Para especialistas em direito digital, as
buscas realizadas pelas empresas se tornaram mais sofisticadas nos últimos
anos. Em vez de apenas jogar o nome do candidato no Google, elas têm a ajuda da
tecnologia para encontrar informações na web. “Hoje, as empresas usam softwares
que rastreiam os perfis dos usuários nas redes sociais”, diz Adriano Mendes,
advogado especializado em direito digital.
No Brasil, há uma questão que amplifica
o monitoramento dos empregados: a aparente proximidade entre chefes e
subordinados ou colegas de trabalho. “Os usuários brasileiros adicionam todo
mundo. Várias vezes, o monitoramento acontece não por parte da empresa, mas sim
de um colega que tem acesso ao perfil do trabalhador e acaba repassando
informações para a chefia”, explica Mendes.
Foi o que aconteceu com a publicitária
Roberta (nome fictício): em uma publicação privada para alguns amigos no
Facebook, ela reclamou de fazer muitas horas extras e não receber a remuneração
correspondente.
“Uma pessoa que eu tinha adicionado
contou para o gerente. Semanas depois, me chamaram no setor de Recursos Humanos,
pediram para eu entrar na minha conta do Facebook e apagar o que escrevi no
próprio computador da empresa”, conta.
Para Luiz Fernando Moncau, gestor do
Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), ligado à Faculdade de Direito da
FGV-RJ, muitas empresas têm cometido excessos. “É como um empregador mandar
abrir o armário de um funcionário: por mais que seja um espaço da empresa,
trata-se de um local ‘privado’ do trabalhador”, diz.
Nova era. Hoje as informações disponíveis sobre os
usuários na internet são coletadas a partir de tablets, smartphones e PCs. Nos
próximos anos, a popularização dos eletrônicos de “vestir” – como relógios e
óculos inteligentes – e os dispositivos da chamada “Internet das Coisas”, devem
aumentar a quantidade de dados sobre as pessoas que circulam na rede.
Segundo a consultoria Gartner, haverá
20,8 bilhões de dispositivos conectados no mundo em 2020 – um salto de 325%
para os 6,4 bilhões de aparelhos conectados existentes no planeta em 2016.
Não é difícil imaginar um cenário em que não só as postagens nas redes sociais, mas a velocidade do carro, a frequência de atividades físicas e o tipo de alimento armazenados na geladeiras sejam, de alguma forma, analisados pelas companhias.
Segundo Moncau, esse cenário reforça a
importância de o Brasil ter uma lei que estabeleça regras sobre dados pessoais.
“Precisamos avançar antes que os cidadãos fiquem expostos”, diz o pesquisador.
Por Bruno Capelas
Fonte: Estadão
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