terça-feira, 29 de julho de 2014

A caminho da UTI


Se o atual modelo econômico fosse um paciente, certamente estaria agora em cima de uma maca, a caminho da UTI. Isso porque multiplicam-se as evidências de que algo não vai bem com o tratamento e os remédios não estão mais fazendo o efeito esperado.


Em casos assim, o corpo vai "desligando", seu metabolismo desacelera e, para manter o paciente vivo, é necessária sua remoção para um ambiente de cuidado intensivo e monitoramento constante dos sinais vitais. Se nada for feito, a evolução do quadro pode levar o paciente a uma espécie de colapso, ou, no jargão médico, à falência múltipla dos órgãos.

Na nossa realidade, o modelo econômico dá sinais claros de esgotamento. O anterior baseava-se no que ficou conhecido como "tripé macroeconômico": superavit primário; câmbio flutuante e metas de inflação. Vigorou do início do segundo mandato de FHC até o fim do segundo mandato de Lula.

É certo também que sofreu alguns ajustes quando uma política anticíclica, baseada na expansão do gasto privado e público, foi implementada como forma de combater os efeitos da grave crise mundial de 2008/2009, mas na essência, o tripé macroeconômico se manteve.

A partir da posse de nossa mandatária-mor em 2011, passou a vigorar uma espécie de tripé macroeconômico "ma non troppo" . Os resultados, antes buscados com rigidez – superávit primário de 3% do PIB, inflação convergindo para o centro da meta de 4,5% anuais e câmbio flutuante– foram sendo flexibilizados.

O superávit primário previsto pelo governo hoje é de 1,9% do PIB. As autoridades econômicas aceitam tranquilamente a taxa de inflação rondando o teto da meta ( de 6,5% anuais) e o câmbio flutuante, na prática, deixou de existir, com as autoridades monetárias fazendo intervenções para manter a taxa de câmbio na faixa de R$ 2,20 para cada US$ 1,00.

Com o tripé flexibilizado, o governo federal cuidou de perenizar a política anticíclica de estimular o consumo das famílias. Instituiu também, embora disfarçado, o controle de preços administrados – combustível, transportes, energia – como forma de combate à inflação e a famosa "contabilidade criativa", com artifícios para burlar as metas de superávit, aquelas "flexibilizadas".

Juntou-se a esse "esforço" de desenhar um novo modelo para substituir o anterior, a adoção de uma política fiscal pra lá de relaxada, fazendo explodir os gastos de custeio em detrimento de novos investimentos que pudessem alavancar a economia.

Resumo da ópera: saímos de um quadro de regras claras e rumo idem para o terreno do faz de conta, do improviso e do realismo fantástico. Exemplo é o setor elétrico que, a partir do devaneio de se baratear tarifas sem a menor fundamentação técnica, entrou numa espiral de desajuste perigosa, cujas consequências estão em pleno desenvolvimento e, ainda hoje, ninguém é capaz de prever como acabará.

Os últimos dados elucidam e escancaram a falta de rumo e os sinais de que os "doutores" do Planalto resolveram levar a economia para um patamar de observação e cuidados para que não desande de vez e entre em colapso em plena corrida eleitoral.

Premidos pelo calendário resta agora administrar o paciente para impedir que piore ainda mais. Exemplo dessa conduta é a recente medida do Banco Central, que redirecionou os chamados depósitos compulsórios para novas linhas de crédito ao consumidor, na tentativa de, com mais crédito, movimentar a economia e expandir a taxa de crescimento do PIB para este ano.

Segundo o boletim Focus da última semana de julho, o mercado está esperando um crescimento do PIB inferior a 1% para este ano. Na mesma linha, o Fundo Monetário Internacional diminuiu sua projeção de crescimento para a economia brasileira para modestos 1,3% e o próprio governo rebaixou suas expectativas, pela segunda vez este ano, de 2,5% de crescimento estimados para 1,8%.

Seja qual for o número, a resultante é que a média de crescimento do atual governo será inferior a 2% ao ano, taxa abaixo dos "anos FHC", o que joga um pouco mais de gasolina no tórrido debate eleitoral que se avizinha.

Se o crescimento vai mal, as estimativas para a inflação vão ainda pior. O IPC-A fechou junho com uma taxa acumulada dos últimos doze meses em 6,52%, ou seja, acima do teto da meta de inflação.

Outra meta que dificilmente o governo conseguirá cumprir é a do superávit primário, de 1,9% do PIB. Os generosos aumentos de despesas de custeio, somados a uma previsão de desonerações fiscais em torno de R$ 100 bilhões este ano, além de uma arrecadação de impostos com modestíssimo crescimento devido à baixa atividade econômica, levam analistas de mercado a estimar o superávit primário em 1,3% do PIB.

Mas para a sociedade o pior de todos os sinais é a questão do emprego. Os dados do CAGED (Cadastro Geral de Empregados) de junho mostram que a diferença entre as contratações e demissões ao longo do mês foi de apenas 25 mil empregos formais no País, o menor resultado para o mês desde 1998 e um número 86% menor que o mesmo mês do ano passado.

A previsão inicial era que fossem criados este ano cerca de 1,5 milhão de empregos, mas a torcida hoje é para que se consiga chegar a 1 milhão. Com menos empregos, a pressão social deve aumentar. E nossa economia precisará de mais atenção ainda dos "doutores" do Planalto, para que os seus sinais vitais mantenham-se estáveis em meio ao tiroteio eleitoral.


Por Manuelito P. Magalhães Júnior
Fonte: Diário do Comércio - SP

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