terça-feira, 29 de julho de 2014

Persistir no erro


Parece evidente que uma grande parte do aprendizado humano decorre da experiência. E em razão disso, inferimos que das mesmas causas sempre decorrerão as mesmas consequências.

Quem primeiro afirmou isso foi David Hume (1711-1776), o mais extraordinário dos filósofos do Iluminismo escocês, considerado por muitos especialistas como o mais notável dos filósofos da língua inglesa. Suas contribuições mais notáveis se deram precisamente nos campos da teoria do conhecimento e metafísica.

Na seção 9 de sua obra mais importante, Uma investigação sobre o conhecimento humano , Hume nos explica como fazemos inferências sobre os fatos. Segundo ele, essas inferências são baseadas no que denominava um tipo de "instinto" e calcadas na analogia de relações causais descobertas anteriormente.

E o que tem tudo isso a ver com a insistência do governo em estimular o consumo para aquecer a economia do País? Para mim tem tudo a ver.

Nos quase quatro últimos anos, a política econômica federal está equivocadamente assentada no diagnóstico de que na raiz da estagnação econômica com que convivemos está uma estrutural falta de demanda. Para superar o que considera um fator inibidor, nada mais natural que criar estímulos para que os consumidores voltem ao mercado e retomem as compras. Desse aumento das compras resultaria inevitavelmente o aumento da produção, sustentáculo do emprego, e a saída da paralisia em que se encontra a economia.

De pouca valia tem sido a observação de que nesses mesmos quatro anos a inflação aumentou, os juros não caíram, o déficit nas contas públicas não foi reduzido e as contas externas se deterioraram. Só escapou o emprego desse rol de mazelas econômicas. Não padecemos, pelo menos até agora, de um desemprego crônico na maior parte do País.

Portanto, voltar a criar mecanismo de incentivo à demanda, como a recém-anunciada liberação de até R$ 45 bilhões adicionais para o crédito ao consumidor, cheira apenas como "mais do mesmo". Parece indicar uma disposição para persistir no não deu certo, já que todos os esforços anteriores nesse sentido foram ineficazes e não produziram os resultados desejados. Pior, agravaram outros problemas já existentes.

Há somente duas explicações para a retomada da política anterior. A primeira delas é a esperança de que "desta vez será diferente". Se essa é a expectativa, ela conflita diretamente com a análise de Hume apontada no início desta coluna: das mesmas causas (incentivos ao consumo) resultam as mesmas consequências (mais inflação e mais déficit na balança comercial).

A segunda explicação, talvez até mais plausível, é de cunho político-partidário. Ela indicaria que a principal preocupação do governo não reside na recuperação do crescimento do PIB, mas sim na situação do ABC paulista. Lá, a queda da produção da indústria automotiva está se refletindo na perspectiva de uma sólida votação no candidato Aécio Neves – fato novo a preocupar os estrategistas da campanha da reeleição da senhora presidente da República.

Ainda que assim for, existem razões para supor que os resultados da expansão do crédito podem ser magros.

Primeiro, porque os consumidores já adquiriram seus carros na primeira desoneração de tributos incidentes sobre veículos. Talvez não haja tanta gente assim com ânsia de ganhar a autonomia de deslocamento que o carro da família pode propiciar – especialmente com o tráfego congestionado das grandes capitais.

Segundo, porque o mercado de trabalho, que parece ainda aquecido, dá indicações de que não permanecerá assim por muito tempo. Recessão e pleno emprego não combinam – e os últimos dados indicam que a economia está parando de crescer. Em consequência desse fato, as expectativas dos consumidores estão em queda nos principais mercados .

Finalmente, se os potenciais compradores não estão otimistas com o futuro do emprego e já percebem a recessão que se aproxima, por ora medida somente pelos números das consultorias e do Banco Central, não podem estar otimistas com sua renda futura. E é a renda futura que permitirá (ou não) pagar as 60 ou mais prestações do carro novo.

O governo teima em não perceber que o problema do baixo crescimento está no lado da oferta. Ele resulta de uma combinação de mudanças frequentes de regras, que geram expectativas ruins no empresariado e de que resulta o baixo investimento.

Não é com mais crédito que se tira o País do marasmo, mas com medidas concretas que tornem estáveis as regras do jogo, que mudem para melhor as expectativas dos empresários e dos consumidores e que aumentem o investimento.

Tudo o mais é " mais do mesmo" e a repetição dos magros resultados anteriores.

Por Roberto Fendt
Fonte: Diário do Comércio - SP

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