quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A aventura de empreender

Quem é e o que pensa sobre a vida e o mundo dos negócios Carlos Wizard Martins, que depois de vender o grupo Multi e entrar para a lista dos bilionários da Forbes, quer expandir a rede Mundo Verde de produtos naturais
O que leva um empreendedor a prosseguir sua aventura no mundo dos negócios depois de construir literalmente do zero o maior grupo mundial em sua área de atuação, vendê-lo para uma multinacional e, com isso, entrar na lista dos bilionários da revistaForbes? “Todo empreendedor é um sonhador. À medida que vai realizando seus sonhos, descobre que acalenta sonhos ainda maiores”, afirma o paranaense Carlos Wizard Martins, 58 anos, que em janeiro passado vendeu para a britânica Person sua participação majoritária em um portentoso portfólio de escolas de idiomas que atuam em dez países com 1 milhão de alunos, concentradas no grupo Multi. Sete meses depois comprou a rede Mundo Verde de produtos naturais e orgânicos, com a meta de atingir 650 lojas franqueadas e faturamento de R$ 1 bilhão em 2018. Filho de um motorista e de uma costureira, Martins diz ter percorrido o Brasil na boleia do caminhão de seu pai. Aprendeu inglês aos 12 anos com os mórmons da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, o que lhe permitiu desembarcar em Nova York, aos 17, com inglês fluente e US$ 100 no bolso. Dois anos depois, seguiu para Portugal como voluntário da missão religiosa, como conta nesta entrevista aoDiário do Comércio. Pai de seis filhos, Martins atualmente divide seu tempo entre a nova empresa, a família e palestras sobre empreendedorismo que ministra Brasil afora. É autor de Como Sonhar e Realizar Seus Sonhos (Novo Século), e Desperte o Milionário Que Há em Você, (Gente). Nada três vezes por semana e, com frequência, está com a professora de chinês a tiracolo.
DIÁRIO DO COMÉRCIO – O SR. FOI PARA OS ESTADOS UNIDOS COM 100 DÓLARES NO BOLSO E DEPOIS SEGUIU COMO MISSIONÁRIO EM PORTUGAL. COMO ESSAS EXPERIÊNCIAS CONTRIBUÍRAM COM SUA CARREIRA DE EMPREENDEDOR?
CARLOS WIZARD MARTINS – Descobri bem cedo que eu não podia contar com pai, mãe ou com qualquer pessoa para a minha sobrevivência. Minha meta era conseguir um emprego para me manter. Cheguei aos Estados Unidos em um sábado e na segunda-feira já comecei a trabalhar. Meu salário inicial era mil dólares, enquanto o salário mínimo no Brasil equivalia a menos de cem. Um menino de 17 anos ganhar mais de dez vezes um salário mínimo já era uma grande vitória. Passei lá dois anos. Os 100 dólares se multiplicaram e, ao retornar ao Brasil, não somente tinha uma reserva financeira, como também havia aprendido lições de autossuficiência que acabaram me amadurecendo precocemente. Isso teria impacto positivo nos meus empreendimentos futuros. Aprendi que, quando a pessoa é independente, não pode medir nem dia, nem horário, nem circunstância, porque em alguns momentos eu trabalhava como garçom, em outros, como lavador de pratos, lavando o chão. Trabalhava em fins de semana ou da meia-noite às seis. Depois que a pessoa se submete a isso, parece que os outros desafios da vida ficam mais fáceis. Passar por um sacrifício tão grande me dotou de uma grande capacidade de resiliência. Na missão religiosa [mórmon], o amadurecimento foi de outra natureza. Eu tinha de lidar com as pessoas, ter paciência de entender sua situação. Em Portugal, onde passei dois anos, trabalhei com brasileiros e americanos. O que se deu lá foi um amadurecimento de ordem emocional. A América me ensinou sobre o trabalho e a missão me ajudou a desenvolver a espiritualidade.
O QUE O MOTIVA A PROSSEGUIR NA TRAJETÓRIA DE EMPREENDEDOR?
Motivação é algo que estimula a vida. Assim como o músico se entrega à própria música, o empreendedor se entrega ao empreendimento. Ao tocar seu instrumento, o músico não pensa nas contas a pagar no final do mês. Faz isso pela realização e prazer. Quando saio de casa pela manhã para cumprir mais um jornada de trabalho, também não estou pensando na conta do fim do mês, mas sim em desenvolver um projeto, envolver pessoas em um projeto, que em nosso caso contribui com a saúde do brasileiro, além de produzir riqueza. Nos últimos anos, tive a satisfação de ajudar mais de uma centena de brasileiros a se tornar novos milionários. Acredito que ocupo o papel de missionário do empreendedorismo. Você compartilha conceitos, princípios, valores. Incentiva e motiva as pessoas a realizarem seus sonhos, de forma que o sonho individual se torna coletivo.
 STARTUPS BEM-SUCEDIDAS, SEGUNDO UM ESTUDO, NEM SEMPRE SE GUIAM POR UM PLANO DE NEGÓCIOS DETALHADO. O QUE ACHA DISSO?
O empreendedor, em geral, não é um bom planejador, mas um realizador. É um animal selvagem em busca de novas conquistas. No caso da Wizard, vimos o potencial que tínhamos na mão, mas fizemos o caminho contrário, primeiro crescemos e depois planejamos.
QUAIS OBSTÁCULOS O SENHOR ENFRENTOU AO LONGO DE SUA TRAJETÓRIA NO MUNDO DOS NEGÓCIOS?
Primeiro: quando iniciei, em 1987, não tinha, literalmente, nenhum recurso. Isso é certamente uma barreira gigantesca para quem que se aventura nos negócios. Eu não tinha equipe: era eu e eu sozinho. Na escola de inglês, eu dava aula, recebia os alunos, abria e fechava a escola, varria o chão, pagava as contas... Cuidava, enfim, de toda a operação. Não ter uma equipe para começar um negócio é difícil, um grande desafio. A Wizard nasceu no final da década de 1980, quando houve uma sucessão de planos econômicos frustrados. A cada seis meses, tínhamos uma nova moeda, os ministros mudavam com frequência, a inflação era na casa dos 70%, 80% ao mês. A cada dia perdia seu poder de consumo. No início do governo Collor, houve ainda o confisco das economias.
COMO O SENHOR ENFRENTOU ESSAS CIRCUNSTÂNCIAS?
Chamávamos funcionário por funcionário para perguntar que conta vencia no dia. Se fosse o aluguel, por exemplo, eu dava o dinheiro para o aluguel. Na semana seguinte, era o colégio do filho. Foi uma administração de formiguinha por que não tínhamos recursos. Com os fornecedores, tivemos de renegociar prazo. Tínhamos dívidas com os bancos e dissemos ao gerente que pagaríamos um pouquinho a cada dia. Foi uma dor de cabeça.
AS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS ESTÃO ATUALMENTE ENTRE AS MAIS INADIMPLENTES. COMO DAR CONTA DO ENDIVIDAMENTO?
O fato é que as empresas brasileiras estão em um processo constante de endividamento. Hoje, mais do que no passado, temos acesso ao crédito muito fácil. Há mais banco correndo atrás de empresário oferecendo crédito do que gente interessada em obtê-lo. Ocorre que, se ele não conseguir administrar o crédito, corre o risco de falir. Quem não tiver uma estrutura sólida de arrecadação de receita que possibilite cumprir com os compromissos em curto espaço de tempo mergulha em profundo endividamento. E a dívida aumenta dia após dia. Com os juros exorbitantes no patamar de hoje, você não pode se dar ao luxo de entrar em cheque especial ou uma conta de cartão de crédito. Levou muito tempo para que eu aprendesse a lidar com as finanças. Descrevo isso em meu livroDesperte o Milionário Que Há em Você. As pessoas físicas e jurídicas bem-sucedidas reservam uma parte do seu ganho, receita ou faturamento para  uma conta destinada à formação do patrimônio futuro. A fórmula do sucesso, tanto para o orçamento familiar quanto para a empresa, é gastar menos do que recebe. Para quem está endividado, só há uma fórmula: cortar custo. E destinar a receita para pagamento da dívida.
QUAIS FORAM OS EMPRESÁRIOS BRASILEIROS QUE MAIS O INFLUENCIARAM?
Difícil falar de um só. Li mais de cem livros a respeito de motivação, de como lidar com pessoas sobre liderança e de expansão comercial. Essas leituras foram de grande importância. Eu me baseio muito nos ensinamentos do americano Stephen R. Covey, autor deOs Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes. Ele cultiva em suas obras princípios de muito valor. Conheci Covey em um evento em Campinas.
EXISTE UM PARALELO ENTRE A SUA FORMAÇÃO RELIGIOSA E OS NEGÓCIOS?
Sim. Acredito que pessoas ligadas a uma fé têm maior poder de concentração e disciplina de organização, ou seja, capacidade de permanecer no caminho que deve seguir. Encara as dificuldades de maneira mais positiva. Enfrenta os problemas sempre voltada para uma solução. Não se deixa abater por empecilhos, que são naturais. Têm mais capacidade de confiar nas pessoas, de se relacionar com os outros e, acima de tudo, força interior que supera a sua capacidade intelectual. É como se tivesse uma força espiritual que o impulsionasse para frente. Tive a felicidade de aos 12 anos conhecer os missionários da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e eles me auxiliaram a estudar nos Estados Unidos. A igreja mórmon incentiva as pessoas a atingir elevado grau de educação até que se tornem autossuficientes. A prosperidade é uma virtude que deve ser buscada. Tudo isso teve muito impacto na minha atividade empresarial.
O EQUILÍBRIO DE VIDA TAMBÉM É IMPORTANTE PARA OS NEGÓCIOS?
Uma empresa é o reflexo direto daquele que a conduz. Se o empreendedor buscar uma vida equilibrada, ele terá uma vida equilibrada. Se agirmos somente pelo impulso, esse equilíbrio não será possível. Todo empreendedor é um workaholic: ele vai trabalhar de dia, à noite e aos fins de semana. É preciso ter consciência das decisões e autodisciplina para reservar um tempo para família e para o descanso.
COMO FICA A RELAÇÃO COM OS FILHOS QUE TRABALHAM NA EMPRESA?
Essa é uma situação que causa muita satisfação e ao mesmo tempo muito conflito. Quando os meus filhos voltaram dos Estados Unidos, onde se formaram, eu falei: “Se vocês desejarem um voo solo, ter uma carreira independente, tudo bem. Eu darei meu apoio. Se vocês vierem para o negócio da família, eu darei meu apoio. A porta estará aberta, mas a sua permanência vai depender dos resultados. Se os resultados forem bons, a relação de trabalho será duradoura. Não podemos ter problemas na empresa e na família. Já se passaram 10 anos e a relação está muito boa. Na empresa, eles não me chamam de “pai” e os trato pelos nomes: Charles e Lincoln (são gêmeos). Perante os colaboradores, eles não são os filhos do dono. Estão em pé de igualdade com todos.
Linha do tempo Carlos Wizard Martins:
Linha do tempo Carlos Wizard Martins

Fonte: Diário do Comércio

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