segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Gestão à base de conflitos

Especialistas garantem: técnicas baseadas em confronto são benéficas


RIO — Imagine um dia normal de trabalho. No meio do expediente você e seus colegas são chamados para um espaço separado, onde o gestor começa a criticar o trabalho de cada membro da equipe. E instiga todos a fazerem o mesmo. Uma péssima ideia para melhorar o clima entre os funcionários, certo? Nem sempre.

Para alguns especialistas, a “Gestão de conflito”, método que incentiva funcionários a discutirem e argumentarem entre si, “sem papas na língua”, pode dar resultados positivos, desde que feito em setores com o perfil certo.

Segundo o coaching Luís Fernandes, diretor da LPH Solutions, o método pode, inclusive, melhorar o clima no ambiente corporativo e aumentar a produtividade. Pode soar contraditório para muita gente, mas o especialista garante que o objetivo é alcançado: criar relações mais transparentes e transformar a resolução dos problemas em rotina.

— É uma técnica perfeita para profissões e ocupações que precisam de equipes trabalhando em sintonia e cooperação. Muitas vezes, as pessoas têm medo de registrar alguma crítica e ficam ressentidas, guardando aquilo. No fim, isso só gera insatisfação. Quando a gente promove um ambiente em que isso é provocado, e os funcionários abraçam a ideia, a tendência na hora é de conflito, mas a longo prazo é de um ambiente tranquilo.

Para Fernandes, a técnica tem melhor aproveitamento quando usada dentro de setores cuja atividade principal depende de um trabalho de equipe, onde todos os agentes precisam se sentir motivados e produtivos. E a confiança, nestas horas, é fundamental, acrescenta.

— Dentro de um time, é preciso que os indivíduos se permitam cobrar comprometimento um do outro. Se o resultado de alguma coisa não sai como esperado ou é preciso tomar uma decisão que vai afetar todo mundo, o importante é que as diferenças sejam colocadas. E se o indivíduo não se sente à vontade para dizer o que pensa, de criticar as atitudes de um colega, esta equipe não vai prosperar. É um bom cenário em que o gestor pode atuar, estimulando, ele mesmo, as críticas, que geram conflitos produtivos.

Para Rafael Martinelli, presidente da empresa, DClick, que atua no ramo de desenvolvimento de software, o trabalho em equipe é essencial. O executivo conta que começou a aplicar o método há cerca de um ano e, desde então, nota crescimento na motivação e na produtividade de sua equipe de 60 funcionários.

— Ao aplicar o método, a gente percebeu que também precisávamos aumentar o nível de segurança da equipe. E nós conseguimos resolver tudo desta forma, criando espaços em que estimulávamos o conflito mesmo, as discussões, garantindo aos funcionários que, desde que feito com respeito, isso não seria um problema no futuro nem no presente.

Uma das formas usadas por Fernandes para aplicar a técnica é através do método desenvolvido pelo psicólogo Bruce Wayne Tuckman, que na década de 60 criou uma teoria sobre o processo de formação de grupos. Nela, o estudioso enumera etapas de desenvolvimento de grupos que, se seguidas, podem incrementar os negócios. Umas delas é a promoção proposital de conflitos, denominada Storming.

Porém, é preciso estar atento ao momento certo de aplicar a metodologia, e é fundamental que os conflitos se desenrolem de uma forma organizada, afirma Paulo Roberto de Souza, da You can be, empresa especializada em gestão corporativa. Validar o processo entre os colaboradores, destaca, é importante para evitar mal-entendidos:
— É um método difícil de ser colocado em prática, pois você precisa de gestores capacitados. Criar conflitos sem um direcionamento, sem conseguir transformar aquilo em produtividade, em melhoria no dia a dia, pode gerar uma clima maior de medo e instabilidade. A liderança deve ser cuidadosa para que o colaborador não se sinta sob ataque.


REALIDADE DURA NA SELEÇÃO
A gestão baseada no conflito não acontece apenas dentro do ambiente corporativo. Ela também é comum em processos seletivos, afirma André Borges, gerente da Page Personnel, companhia de recrutamento e seleção. Segundo o especialista, é comum que gestores criem situações “limite” ou reproduzam cenários já vividos dentro das empresas para perceber como será a reação do candidato ao cargo postulado.

— Existe desde o empresário que coloca os momentos críticos apenas para ver a disponibilidade e a vontade do candidato em buscar aquela vaga, por exemplo, chamando ele no meio do expediente, interrompendo o dia de trabalho. Mas grande parte faz um tipo de “seleção de conflito", por exemplo, sendo mais agressiva nas perguntas, narrando situações e pedindo para o interessado responder de supetão como e o que faria naquele momento.

Para o gerente, embora ainda pouco usual, alguns destes métodos podem beneficiar o candidato, ao mostrar a cultura da empresa desde o início.

— Assim como existe o gestor que fica decepcionado com o candidato que age de uma forma no processo, mas na empresa muda completamente, há também o contrário: é mostrado um cenário positivo para o profissional em relação ao ambiente corporativo, porém, ao chegar lá, ele se depara com um local agressivo, diferente do que foi dito, por exemplo.
Há dois anos, o carioca Pedro Soares viveu a experiência e, apesar do susto inicial, acredita que a possibilidade de conhecer melhor a empresa que pretendia trabalhar ajudou na decisão final, quando decidiu não participar do processo seletivo até o fim.

— Não era para mim. Eu acho que, apesar de um ambiente em que não iria me adaptar, achei honesto que me mostrassem, nas entrevistas, como seria a reação do meu gestor, caso um imprevisto acontecesse, por exemplo.

CAUTELA NOS CONFLITOS
Na gestão ou na seleção através dos métodos de conflito, respeitar o candidato e o funcionário nos processos é fundamental, ressalta Borges. E é exatamente por este motivo que o consultor Firmino Carneiro, professor do Centro Universitário Celso Lisboa, vê esta metologia com cautela.

— Os parâmetros precisam ser fixados, mas a tendência são de as empresas investirem na melhoria da qualidade de vida no trabalho, utilizarem ferramentas motivacionais. Não vejo como a gestão por conflito se encaixa neste cenário. Não é questão fechada, claro, mas acho que para encaixar este modelo é preciso muito cuidado, para não virar algo perigoso ou até caso judicial.

Para Luis Fernandes, diretor da LPH Solutions, para que a gestão baseada nos conflitos funcione de forma profissional, é preciso respeitar métodos, como o desenvolvido pelo psicólogo Bruce Wayne Tuckman na década de 60 sobre a formação de grupos.

— A primeira parte, denominada forming, consiste na criação da equipe, apresentação e conhecimento dos seus membros. A segunda é a storming, que se dá exatamente no incentivo dos debates e conflitos para o desenvolvimento de ideias e soluções. Esta fase precede duas outras, a norming e a performing, que são resultados da sinergia conquistada antes. É o período de máxima produtividade, acima do esperado.


O PESO DA CULTURA DO BRASILEIRO
Fernandes acredita que líderes bem formados podem conduzir gestões de conflito sem que os funcionários se sintam atacados ou ameaçados. E é preciso, diz, identificar também quais são os colaboradores aptos a participar.

— Normalmente é uma metodologia usada quando os resultados não estão acontecendo. Em muitos casos, a base do problema está na falta de confiança entre os membros dos grupos. Como as pessoas, até por uma questão cultural do brasileiro de não gostar de conflitos, não costumam expor as suas insatisfações, o clima fica pesado, mas os motivos ficam escondidos, e isso desmotiva, as pessoas ficam menos engajadas.

Fonte: O Globo - RJ

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